Saturday, March 14, 2009

Crítica a Watchmen

Existem duas críticas do filme, uma para os que apreciam a história original e outra para os que não a leram.
Aos não iniciados faço-lhes um pedido, filme exige um certo comprometimento. Não estou pedindo para serem condescendentes e perdoarem seus defeitos, que sem dúvida existem, mas para embarcarem nessa visão simplesmente pelo fato de que se não o fizeram não conseguirão aproveitar o filme, nem vale a pena ir vê-lo, perda de tempo. Existem tantos filmes melhores em cartaz que passar três horas assistindo apenas para execra-lo na saída me parece masoquista.
É um símbolo, todo ele. É um filme de super-heróis, não vou negar, mas ao contrário de “Homem-Aranha 3”, “Superman Returns” e outros este não é um exemplar do gênero e sim uma critica do gênero. Cada cena é um tapa no que vc esperaria de um filme de quadrinhos. Quando se vê a fortaleza do vilão você pode até pensar “bah, já vi isso antes”, é essa a idéia, a cena provoca a sua memória a relembrar de todos os clichês do gênero, mas debaixo desse clichê não está seu vilão usual, por trás daquele uniforme não está o que se espera e sim uma afronta ao que se espera. Moore escreveu essa história em função do desgosto que sentia por histórias em quadrinhos em que aqueles personagens idealizados e símbolo se tornavam cada vez mais reais. O problema é que personagens reais como o Batman de “Dark Knight”, seu mais recente filme, ainda são super-heróis e isso para Moore era idiota. Então se você ri ao ver o uniforme do Coruja ou até ao escutar esse nome, parabéns, está no caminho certo. A idéia é que essas pessoas não deveriam ser reais, heróis pertencem ao mundo das idéias, se existissem seriam como no filme, falhos, problemáticos e fundamentalmente anti-heróicos. Ao acreditarmos e esperarmos heróis desse filme recebemos a fala do mais heróico herói do filme como resposta, “Ora Daniel, cresça!”. E essa é a resposta a todos os fãs, sejam do Super-Homem, sejam de Barack Obama. O mundo não será salvo por heróis. Triste a nação que precisa de heróis e aparentemente os Estados Unidos o são, isso é simbolizado pelo comediante, um patriota niilista que nesse paradoxo escancara o paradoxo do próprio sonho americano.
Poderia continuar a divagar em detalhes mas parte do prazer de assistir ao filme vem de você pegar cada um deles por si mesmo. Como disse, ele longe de ser perfeito, muitas passagens soam simplistas, superficiais e perderam o significado que possuem no original mas não peço para ignorar essas partes e sim para ver além de uma história de heróis de colante e enxergar o simbolismo que permeia toda esta história.
Agora, a crítica aos que gostaram da original de Alan Moore. Aos xiitas não vou perder meu tempo explicando porque o final está perfeito, porque tal trama não cabia no filme e porque as microscópicas mudanças nos personagens foram todas feitas com tato (fora as que eu criticarei adiante obviamente). Ao analisar o filme como uma adaptação muda-se totalmente a perspectiva. “Manteve-se a idéia original?” “O clima é o mesmo?” “O passo o mesmo?” “O estilo?”.
Adaptar esse monstro de doze edições com mil detalhes e símbolos gráficos é quase impossível, quando ouvi pela primeira vez fui cético ao extremo, ao ver que Snyder era o diretor fiquei ainda mais abismado, se ele não havia conseguido transformar a obviamente cinematográfica obra de Frank Miller com precisão e fidelidade como iria conseguir com a infinitamente superior e complexa obra de Moore? Fui surpreendido é claro, nos mínimos detalhes foi feita a transposição, dos ângulos de câmera aos diálogos, do design as cores, do clima ao final. Tudo feito com uma fidelidade exagerada até em certas cenas em que poderia ter se aproveitado o potencial da mídia mais dinâmica como o cinema e manteve-se o passo lento da HQ.
A reverência do diretor ao original fez bem ao filme que ao meu ver apresenta uma tendência similar a 300 , suas melhores partes são quando não se distancia de sua fonte de inspiração, quando o faz, tragédia! Aqui nem tanto, algumas mudanças (como o já comentado final, o design de certos personagens, etc.) não passam de detalhes que se encaixam como uma luva e em sua tentativa de se manter fiel segue o caminho seguro (e arriscado como cineasta) de não mexer em time que está ganhando. Não tentar colocar braços na Vênus de Milo. E assim mais acerta do que erra conseguindo em muitas cenas manter a qualidade do livro.
Já mostrei minha admiração pelo modo como foi tratada a adaptação, agora, as críticas. A história se passa de maneira rápida, rápida demais, não há tempo ao espectador médio de se acostumar ao volume de informações jogadas na tela sem ter lido a história. Claro que feito de outra forma seria uma novela da globo ou apenas uma edição da revista.
Transformar as cenas de ação crua em cenas de ação “cinematográficas!!” machucou ao filme, as acho bem executadas e divertidas, até dão uma acelerada ao filme e nunca são colocadas gratuitamente em pontos em que elas não existiam. Infelizmente em sua tentativa de agradar vários públicos o diretor desumaniza os personagens transformando-os na caricatura de super-herói que Moore tanto evita. Isso se revela apoteoticamente na cena em que Adrian recebe um tiro e para com a mão, no quadrinho fica claro o quanto isso foi impressionante, quase absurdo, o próprio Veidt admite. No filme parece natural, qualquer espectador não iniciado não irá duvidar que Rorschach e o Coruja possam fazer o mesmo facilmente. De fato o filme todo perde seu contato com a humanidade com as cenas do cotidiano retiradas, elas tão importantes a ambientação da história também foram vítimas da sala de edição.
Outra falha perigosa, a origem de Adrian que corresponde a edição 11 inteira aparece totalmente picotada, a origem de todos os outros estão lá misturadas ao enredo. Vários detalhes foram cortados mas este em particular causa um rombo no filme pois Adrian é revelado a força motriz por trás de tudo e sem conhecermos suas motivações não compreendemos seu plano e por conseqüência a trama inteira. Até a loucura do Comediante parece estranha em retrospecto. Admito, não sei como Snyder deveria colocar essa parte em suas quase três horas de filme. Não se pode colocar no começo pois estragaria a surpresa do final e colocar junto a revelação iria matar o passo já lento do filme. Difícil essa, mas mesmo sem ter uma solução eu anoto o defeito.
De resto posso reclamar de uma ou outra música mal utilizada (Hallelujah salta a mente) mas o filme está ótimo. Mesmo que Scorsese ou Spielberg aceitassem o abacaxi de dirigir essa adaptação ela não seria tão fiel e orgânica. Quem sabe fosse melhor mas daí seria diferente. Um bom diretor não se sentaria amarrado ao original em detrimento de seu próprio trabalho. É este é o filme, herói e vítima de sua própria fidelidade ao original.