Thursday, August 03, 2006

Médicos sem fronteiras

Dizer como a guerra é uma coisa absurda no mundo de hoje é um lugar comum. Mas realmente continuo me surpreendendo com as coisas que aceitam como normal.
Crimes de guerra. Isso já é um conceito absurdo, criamos uma categoria de ações que são consideradas crimes num lugar em que dois jovens de dezoito anos se esfaquearem até a morte não é um. Interessante.



Crime de guerra: Atacar uma unidade neutra de ajuda humanitária. Se qualquer lado fizer algo do gênero será punido. Claro que faz todo sentido punir alguém por isto, como também faz todo sentido punir alguém por bombardear um prédio, mas isso é considerado aceitável.
Não posso deixar de notar quão absurda é uma situação em que seja necessária a intervenção de um grupo humanitário como os Médicos Sem Fronteiras. É realmente bizarro um mundo em que ele precise existir.
Imagine uma batalha entre dois traficantes em uma favela, depois de horas de tiros e mortes paira uma certa calmaria. Assim no dia seguinte um grupo de médicos vai a um lado e trata dos feridos, e depois vai ao outro lado cuidar dos outros. No outro dia eles voltam a se matar mais um pouquinho, os médicos vão lá e curam mais um pouquinho, no dia seguinte eles se matam ainda mais e os médicos vão lá de novo e...
Não, devo admitir que isso nunca aconteceria na rocinha, eles matariam os médicos que se atrevessem a ir ajudar o outro lado, afinal, ele está ajudando o inimigo! Isso evidentemente porque os traficantes não vivem num mundo livre, democrático, não são civilizados como nós a ponto de permitir que médicos venham ajudar enquanto nos matamos. Apesar de apoiar fortemente estes grupos, vejo que suas ações serem aceitas pelo mundo sejam uma comprovação de que sancionamos estas guerras. Obviamente a solução não é bani-los, mas pelo contrário, banir as guerras. Se eu dissesse que estamos longe desse objetivo estaria sendo otimista por considerar que a humanidade possa viver num mundo sem guerras.
Claro que sei que nem os israelenses nem os "Hezbollenses" gostam da idéia de ajuda humanitária para o outro, mas devido à pressão internacional não tem muita escolha. Também devo ressaltar que um lado irá requerer muito mais ajuda, pois se o abastado estado de Israel sofreu algumas causalidades tivemos um pequeno massacre no lado libanês. E se o primeiro tem plenos recursos e infraestrutura para cuidar disso, o segundo não tem quase nenhum hospital inteiro no sul. Há apenas três meses atrás o sul do Líbano tinha uma ótima infra-estrutura para um pobre país árabe que ainda está se curando das cicatrizes de uma guerra, mas que hoje sumiu misteriosamente. É uma pena que a parte mais louvavel do trabalho do Hezbollah na região tenha sido reduzida a escombros. Suor de uma década apagado com sangue em um mês.
Como sempre, o lado mais fraco é o que padece mais, e não estou me referindo ao Hezbollah nem ao Líbano. Como vi um angolano falando hoje, "quando dois elefantes lutam, quem mais sofre é a grama". Perfeito não?
Criamos regras para aceitar a matança entre países. Discutir sobre se isso ou aquilo é antiético num ambiente de guerra total, foge a minha compreensão. Mas devemos nos adaptar aos tempos pra fazer o que é necessário neste instante, abandonar o pensamento por demais idealista de parar a guerra e levar nossos médicos, nossos voluntários, nossos diplomatas, quem puder ser de alguma ajuda, até nosso dinheiro, mas isso também já seria idealista demais pra pedir em uma sociedade capitalista como a nossa. O problema que estou falando é outro, devemos fazer o possível para ajudar mais sem esquecer que devemos lutar pelo objetivo maior de parar essas guerras insanas (existe outro tipo?). Lutar para melhorar o sistema que apóia este tipo de atitude, deixando claro que não aceitamos estas lutas, que não sancionamos estas batalhas, ajudamos, mas não apoiamos. Mesmo que aquele acéfalo sentado no trono dos Estado Unidos ache tudo isso normal, as organizações humanitárias como "Médicos Sem Fronteiras" não acham. Mas enquanto não tem escolha, lhes resta apenas tratar dos feridos e por mais vezes que um médico normal sepultar os mortos.
Sei que nossa dita civilização só existe por causa de um uso extremo da hipocrisia, mas esses fatos me levam a temer ela seja fundamentada nisso.




"What do I think about civilization? I think it's a great idea; why doesn't someone start one?"

-Attributed to G. K Chesterton

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